quarta-feira, 25 de novembro de 2015

"O começo"

Bom...


Sentirei falta de tatear o papel mas, cri que realmente não conseguirei arquivar meu material de maneira que me satisfaça. Assim, usando o termo de uma pessoa querida que disse que precisamos ser mais modernos, estou aderindo ao formato digital.

Em se tratando de um começo, eu me dispenso de apresentações e vou direto ao assunto.


Um conto...


"Ele"


Acordou e pensou no dia que tinha pela frente. Lembrou da trapalhada deixada no dia anterior, no trabalho; - decerto seria reprendido mas, de qualquer modo, já estava acostumado... Pegou a mesma condução e esperava ver aquela mulher que, vez ou outra, via na troca do ônibus pelo trem. Ela podia não ter lá olhares desejosos mas ele, em sua luxuriosa humildade e ignorância tinha uma mente criativa; romântica e estúpida, porém, criativa. Não a viu e a viagem fez-se mais longa e menos colorida.

Às vezes ele se sentia meio que embriagado ante tanta falta de algo mais, que ele sabia que queria sentir mas, que não sentia. E essa espera o torturava...

Ouvia sons que se confundiam com frases e citações que ele ouvia no trabalho; coisas espalhafatosas, confusas ou ainda terminologias complicadas que ele tentava transpor à sua realidade, sempre à espera de um momento exato para soltar alguma frase que causasse o mesmo espanto que ele sentia; Todos no boteco pobre de periferia olhando pra ele admirados, curiosos, querendo ouví-lo opiniar ou discorrer sobre temas variados. Ele, se exaltando e dando explicações e argumentos irrefutáveis sobre os pontos de vista defendidos. O problema era que "argumento" e "irrefutável" eram termos totalmente desconhecidos no círculo social em que ele estava inserido. Sentia que aquilo não era para ele mas, também sentia-se amuado entre os homens de cabelo bem cortado, de camisas bem passadas e que lhes caíam bem como nunca cairiam à ele, quase sem pescoço, as maçãs do rosto inchadas, o cabelo ruim, o nariz disforme, o papo e a calvície que lhes chegavam antes do tempo. E de pensar que, em guri, amiúde sonhara ser artista de cinema. Acordava dos devaneios que tinha e enxergava novamente o uniforme azul, um rosto subentendido com velha a expressão servil, sentia o estigma da subserviência no próprio sangue. Queria ser outro... ouvia estórias sobre filosofias mas, ouvia também dizerem que eram coisas de maricas. Tinha medo de ser, de sentir, de querer...Lia e não entendia, concordava e não acordava. Não fazia acordos e não abria os olhos. Sentia-se sozinho e talvez fosse. Um, entre milhares, milhões.... perdido e, em busca de um outro ele, que sabia no fundo, que jamais poderia encontrar.
(continua...)

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